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“Há quem tenha medo que o medo acabe”

“Medo é o nome que damos a nossa incerteza: nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito – do que pode e do que não pode – para fazê-la parar ou enfrentá-la, se cessá-la estiver além do nosso alcance”. Essa afirmação de Zygmunt Bauman (Medo Líquido, Zahar, p. 8) parece ilustrar um sentimento que permeia a vida cotidiana – o medo –  um elemento que pode gerar crises de confiança e atravessar de forma palpável as esferas coletiva e individual. Em ambientes acadêmicos, o “medo” pode impedir a discussão de determinados temas; pode afastar os alunos da pesquisa; pode flexibilizar condutas fundamentais para a construção do conhecimento; pode ser utilizado como instrumento autoritário de controle; pode silenciar determinados grupos; ou pode impedir que o protagonismo dentro do espaço escolar seja dos alunos, situando o professor como mediador dos processos discentes. 
Inegavelmente, há uma relação intensa entre medo e sociedade: banaliza-se a diversidade e vende-se um discurso único como eixo norteador das relações. Será isso possível, considerarmos apenas uma forma de caminhar pelo ensino superior, pela advocacia, pelo mercado de trabalho? Será isso possível, considerarmos apenas uma forma de construir uma disciplina cujo protagonismo esteja nas mãos dos alunos, com o desenvolvimento do pensamento crítico, da autonomia de pesquisa e do senso de humanidade para além dos rótulos sociais? Para nós, não há apenas um caminho. Há muitos caminhos, tantos quantos nossos alunos ousarem pensar. 
E como o medo afeta nosso espaço educacional? Tememos a violência urbana, as catástrofes naturais, o desemprego, as epidemias, o terrorismo, a exclusão: tememos o outro, especialmente quando ele discorda dos meus ideais. Como consequência disso, buscamos incansavelmente as redes sociais, o acúmulo de “conhecimento rápido”, os vícios e a produção constante de dopamina, aprisionando nosso corpo e nossa mente em casas cada vez mais equipadas com sofisticados sistemas de segurança, mas nem por isso sentimos alívio e conforto diante de nossos temores. Evitamos alguns espaços públicos e o contato com estranhos, os quais nos parecem cada vez mais ameaçadores; assumimos que as redes sociais são nossos maiores formadores de repertório e, por consequência, uma das fontes de severa ignorância. O medo não implica uma natureza única e imutável, por ser um sentimento construído historicamente, sentido e interpretado de formas diferentes, a depender da época. Se em termos biológicos, o sistema nervoso simpático, em aparente situação de perigo, exerce um papel de defensor da vida, possibilitando a luta e a fuga, por que então nos escondemos do diferente? Por que deixamos o medo nos dominar? Seria uma reação passiva criada pela cultura do medo ou o resultado dos processos de silenciamento?
Para responder essas perguntas, assumimos o termo cultura como um conceito que se desloca, paulatinamente, do campo estritamente econômico para as relações políticas, que envolvem a luta por hegemonia nas sociedades de classes. Sim, culturalmente, aprendemos a ter medo porque desaprendemos a dialogar com o outro, e esse “desaprender” nos guia, dia a dia, para o abismo das certezas vazias, cheias de preconceitos. Aprendemos que qualquer tipo de postura que “ataque a ordem estabelecida” deve ser temido e desaprendemos que é na diversidade que a sociedade brasileira, inclusive, constitui-se. Aprendemos que o discurso de ódio é tristemente simplificado a um reflexo dos desacordos entre o bem e o mal, e desaprendemos que o diálogo existe para multiplicar sentidos e não para excluir ou diminuir pareceres distintos. Aprendemos que a sala de aula é um lugar de reprodução de conceitos, decorando itens a serem copiados em provas, e desaprendemos que o ensino e a aprendizagem são ações coletivas, construídas e aprimoradas na troca entre pessoas, entre erros e acertos.  
Embora conscientes da constante presença da cultura do medo e da violência, cujo futuro é negado ou representado como ameaça de aniquilamento, a leitura e a escrita parecem antídotos para um projeto de mudança social que implique o diálogo não violento e a cooperação entre os indivíduos. Este blog, portanto, é a materialização de uma ação pedagógica intencionalmente desafiadora, que se utiliza do medo como catalisador dos processos de sala de aula, um espaço imprevisível, constantemente atacado pela banalização do conhecimento. Sabemos que não há respostas simples para problemas complexos, assim como defendemos que nossos alunos são potencialmente capazes de promover a mudança social que se espera em tempos de crise. Nessa primeira publicação, há pesquisas que pretendem aproximar o conhecimento jurídico da comunidade leitora, com precisão técnica e linguagem acessível, exercitando a cidadania ativa e o senso de responsabilidade social.
Mia Couto, o dono da frase tema deste editorial de abertura, assumiu, ao longo de sua vida, que o medo foi um dos seus primeiros mestres. Quando o Moçambicano deixou a terra natal, uma invisível mão medrosa roubava-lhe a coragem de viver e a audácia de ser ele mesmo. No horizonte, vislumbravam-se mais muros do que estradas. Contudo, ele seguiu mesmo com medo. Seguiremos, então, reconhecendo que o medo é o fogo que pode aquecer a ignorância e destilar ódio por onde passa, assim como pode ser – como foi durante o primeiro semestre de 2024 – um agente poderoso para fazer brilhar um grupo de alunos que acreditou no blog quando ele ainda era uma slide de apresentação da disciplina “extensão 1”. Para vocês, escritores dessas primeiras publicações, obrigada por “esperançar” os dias, pela ousadia de pensar, construir e nunca desistir.  Sejam muito bem-vindos ao Blog da FADI, um espaço feito por muitas mãos que anseiam por dias melhores, com menos medo e mais coragem.

“Há quem tenha medo que o medo acabe”

“Medo é o nome que damos a nossa incerteza: nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito – do que pode e do que não pode – para fazê-la parar ou enfrentá-la, se cessá-la estiver além do nosso alcance”. Essa afirmação de Zygmunt Bauman (Medo Líquido, Zahar, p. 8) parece ilustrar um sentimento que permeia a vida cotidiana – o medo –  um elemento que pode gerar crises de confiança e atravessar de forma palpável as esferas coletiva e individual. Em ambientes acadêmicos, o “medo” pode impedir a discussão de determinados temas; pode afastar os alunos da pesquisa; pode flexibilizar condutas fundamentais para a construção do conhecimento; pode ser utilizado como instrumento autoritário de controle; pode silenciar determinados grupos; ou pode impedir que o protagonismo dentro do espaço escolar seja dos alunos, situando o professor como mediador dos processos discentes. 
Inegavelmente, há uma relação intensa entre medo e sociedade: banaliza-se a diversidade e vende-se um discurso único como eixo norteador das relações. Será isso possível, considerarmos apenas uma forma de caminhar pelo ensino superior, pela advocacia, pelo mercado de trabalho? Será isso possível, considerarmos apenas uma forma de construir uma disciplina cujo protagonismo esteja nas mãos dos alunos, com o desenvolvimento do pensamento crítico, da autonomia de pesquisa e do senso de humanidade para além dos rótulos sociais? Para nós, não há apenas um caminho. Há muitos caminhos, tantos quantos nossos alunos ousarem pensar. 
E como o medo afeta nosso espaço educacional? Tememos a violência urbana, as catástrofes naturais, o desemprego, as epidemias, o terrorismo, a exclusão: tememos o outro, especialmente quando ele discorda dos meus ideais. Como consequência disso, buscamos incansavelmente as redes sociais, o acúmulo de “conhecimento rápido”, os vícios e a produção constante de dopamina, aprisionando nosso corpo e nossa mente em casas cada vez mais equipadas com sofisticados sistemas de segurança, mas nem por isso sentimos alívio e conforto diante de nossos temores. Evitamos alguns espaços públicos e o contato com estranhos, os quais nos parecem cada vez mais ameaçadores; assumimos que as redes sociais são nossos maiores formadores de repertório e, por consequência, uma das fontes de severa ignorância. O medo não implica uma natureza única e imutável, por ser um sentimento construído historicamente, sentido e interpretado de formas diferentes, a depender da época. Se em termos biológicos, o sistema nervoso simpático, em aparente situação de perigo, exerce um papel de defensor da vida, possibilitando a luta e a fuga, por que então nos escondemos do diferente? Por que deixamos o medo nos dominar? Seria uma reação passiva criada pela cultura do medo ou o resultado dos processos de silenciamento?
Para responder essas perguntas, assumimos o termo cultura como um conceito que se desloca, paulatinamente, do campo estritamente econômico para as relações políticas, que envolvem a luta por hegemonia nas sociedades de classes. Sim, culturalmente, aprendemos a ter medo porque desaprendemos a dialogar com o outro, e esse “desaprender” nos guia, dia a dia, para o abismo das certezas vazias, cheias de preconceitos. Aprendemos que qualquer tipo de postura que “ataque a ordem estabelecida” deve ser temido e desaprendemos que é na diversidade que a sociedade brasileira, inclusive, constitui-se. Aprendemos que o discurso de ódio é tristemente simplificado a um reflexo dos desacordos entre o bem e o mal, e desaprendemos que o diálogo existe para multiplicar sentidos e não para excluir ou diminuir pareceres distintos. Aprendemos que a sala de aula é um lugar de reprodução de conceitos, decorando itens a serem copiados em provas, e desaprendemos que o ensino e a aprendizagem são ações coletivas, construídas e aprimoradas na troca entre pessoas, entre erros e acertos.  
Embora conscientes da constante presença da cultura do medo e da violência, cujo futuro é negado ou representado como ameaça de aniquilamento, a leitura e a escrita parecem antídotos para um projeto de mudança social que implique o diálogo não violento e a cooperação entre os indivíduos. Este blog, portanto, é a materialização de uma ação pedagógica intencionalmente desafiadora, que se utiliza do medo como catalisador dos processos de sala de aula, um espaço imprevisível, constantemente atacado pela banalização do conhecimento. Sabemos que não há respostas simples para problemas complexos, assim como defendemos que nossos alunos são potencialmente capazes de promover a mudança social que se espera em tempos de crise. Nessa primeira publicação, há pesquisas que pretendem aproximar o conhecimento jurídico da comunidade leitora, com precisão técnica e linguagem acessível, exercitando a cidadania ativa e o senso de responsabilidade social.
Mia Couto, o dono da frase tema deste editorial de abertura, assumiu, ao longo de sua vida, que o medo foi um dos seus primeiros mestres. Quando o Moçambicano deixou a terra natal, uma invisível mão medrosa roubava-lhe a coragem de viver e a audácia de ser ele mesmo. No horizonte, vislumbravam-se mais muros do que estradas. Contudo, ele seguiu mesmo com medo. Seguiremos, então, reconhecendo que o medo é o fogo que pode aquecer a ignorância e destilar ódio por onde passa, assim como pode ser – como foi durante o primeiro semestre de 2024 – um agente poderoso para fazer brilhar um grupo de alunos que acreditou no blog quando ele ainda era uma slide de apresentação da disciplina “extensão 1”. Para vocês, escritores dessas primeiras publicações, obrigada por “esperançar” os dias, pela ousadia de pensar, construir e nunca desistir.  Sejam muito bem-vindos ao Blog da FADI, um espaço feito por muitas mãos que anseiam por dias melhores, com menos medo e mais coragem.

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